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quarta-feira, 30 de maio de 2012

A Aliança

Crônica de Luis Fernando Verissimo

Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, claro.
Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências... Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
— Você não sabe o que me aconteceu!
 — O quê?
— Uma coisa incrível. 
— O quê?
— Contando ninguém acredita.
— Conta!
— Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
— Não. 
— Olhe.
E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
 — O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
— Que coisa - diria a mulher, calmamente.
— Não é difícil de acreditar?
— Não. É perfeitamente possível.
— Pois é. Eu...
— SEU CRETINO!
— Meu bem...
— Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.
— Mas, meu bem...
— Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha!


E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E, finalmente:
— Que fim levou a sua aliança? E ele disse:
— Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento agora, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.
— O mais importante é que você não mentiu pra mim. 
E foi tratar do jantar.


As mentiras que os homens contam

"A Aliança".  Verissimo,
"As mentiras que os homens contam".
 Editora Objetiva, 2000, pág. 37.

Luis Fernando Verissimo
 nasceu em 1936, 
em Porto Alegre
Rio Grande do Sul. 
Filho do grande escritor 
Érico Veríssimo.




4 comentários:

  1. kkkkk coitado, fikei com pena do marido. Mas, foi um pouco de exagero na narrativa do autor, nem sempre é assim q as mulheres se comportam e depende do marido.

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  2. kkkkkkkkkkkkkkkkkkk, "o importante é que ele não mentiu pra ela"
    adoro as histórias do Verissimo.

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  3. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk,doida!Esse Luiz Fernando é D+!tem casamentos só só funcionam com mentiras!
    Aconteceu com um amigo...Ele ia trabalhar a pé,passou pela ponte e espirrou,sua prótese caiu embaixo daponte,foi um desespero,de4sceu e foi procurar,embaixo da ponte ainda moravam pedintes,todo mundo passou a procurar sem saber o que,acho que achavam que era dinheiro kkkkkkk.Ao chegar em casa foi um horror,sua mulher não parava de rir,ao contrário da outra ela acreditou,o marido ficou possesso,pegou o dinheiro da feira e comprou outra prótese,daí a mulher foi chorar sem ter o que comer.

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  4. Um cara bem criativo. Acontece uma história, ele conta outra pra se safar. E o interessante é que isso acontece na vida real. Achei parecido com os contos de Margarete Solange. Ela faz parecer que a história é real. kkkkkkkkk

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